segunda-feira, 29 de março de 2010

Interação - Parte 2 (por Luis Fernando Verissimo)

De certa forma, a experiência teatral de um espectador moderno repete toda a história do teatro, como o feto repete toda história da espécie no ventre. Nada se parece mais com o teatro de antigamente do que o teatro infantil, onde também há tramas básicas, comédia ingênua, exageros trágicos e catarse. As crianças interferem na história como o público de antigamente, vaiando os vilões, incentivando os heróis, avisando aos berros que o lobo vai atacar e, não raro, subindo no palco para impedir o ataque. E por mais que façam, não são punidos. Continuam sendo "amiguinhos" e convidados a voltar por atores agradecidos, que muitas vezes precisam se controlar para não esgoelar o mais próximo, assim como eram toleradas as intromissões do público antigo. Quando fica adulto, o espectador aceita abusos do teatro adulto como uma forma de contrição: ele merece qualquer exame, de tanto que chateou quando era um espectador infantil. A agressividade do teatro moderno com o público, na verdade, é vingança.

Quem é tímido não tem nada a ver com tudo isto. Quando era pequeno, era dos poucos que ficava quieto no seu lugar do teatro, salvo por um ou outro sobressalto com o lobo. E no entanto, hoje, muitas vezes, é ele o escolhido para a interação, e para viver, sem merecer, o seu pior pesadelo. Não que ele tente de tudo para evitar o vexame. Para não se arriscar, pede um lugar nas últimas filas. Especifica: quer um lugar ruim, de preferência sem visão do palco, para também não ser visto do palco. Mesmo assim, fica nervoso. Quando batem no seu ombro, ele grita, "Eu não! Eu não!", até se dar conta de que é apenas alguém querendo entrar na sua fila e que a peça ainda não começou. Quando começa a peça, ele fica preparado. E ao menor sinal de interação - nem que seja um ator que se aproxime muito do proscênio ou olhe a plateia de um modo suspeito - ele não hesita. Foge para a rua. Correndo, pois há sempre a possibilidade de o elenco vir atrás dele.

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