quinta-feira, 25 de março de 2010
Razão e sensibilidade (por Artur Xexéo)
Artimanhas da programação juntam nas telas de cinema do Rio Martin Scorsese e Robert De Niro
Faz 15 anos que Robert De Niro não filma com Martin Scorsese. “Casino”, de 1995, foi o último dos oito filmes que a dupla fez junto. Mas foi uma parceria tão marcante que, até hoje, o nome de um remete imediatamente ao nome do outro. Já há algum tempo, Scorsese tem outro ator predileto: Leonardo DiCaprio. Seus quatro longas-metragens de ficção mais recentes têm o nome de Dicaprio como protagonista: "Guangues de Nova York", "O aviador", "Os infiltrados" e "Ilha do medo". Nenhum deles chega perto de alguns dos filmes da Era De Niro como "Caminhos perigosos", de 1973; "Taxi driver", de 76; "O touro indomável", de 80, e "Os bons companheiros", de 90 - os outros filmes da dupla, alem de "Casino", são "Cabo do medo", de 91; "O rei da comédia", de 82; e "New York New York", de 77.
Desde que se separaram na tela, as carreiras de Scorsese e de Niro tomaram rumos opostos. O diretor aperfeiçoou sua técnica, continuou fazendo filmes ambiciosos, entrou definitivamente para o primeiro time de cineastas americanos. Cada estreia de Scorsese é um acontecimento. De Niro pegou um atalho mais fácil. Muitas vezes, deixou de ser um grande ator que é para resolver seus personagens com caretas. Suas opções, ultimamente, são quase inexplicáveis (como justificar sua adesão a comedinhas simplórias como "Entrando numa fria" e "Máfia no divã"?). E ninguém espera mais nada de seus filmes.
De Niro, que tem dois Oscars na estante (um como coadjuvante em "O poderoso chefão 2", de Coppola, e outro por "O touro indomável"), não recebe uma indicação ao prêmio desde 1992, quando foi lembrado por "Cabo do medo". De 92 até agora, Scorsese ja foi indicado ao Oscar quatro vezes e ganhou em 2007 com "Os infiltrados". A carreira de um deslanchou; a do outro foi pro brejo.
Quis o destino da exibição cinematográfica que os dois se encontrassem mais uma vez nos cinemas do Rio. Infelizmente, em telas diferentes. Na semana que vem, Scorsese, que está em cartaz com "Ilha do medo", recebe De Niro, que protagoniza "Estão todos bem", de Kirk Jones. Ver o trabalho dos dois ao mesmo tempo é uma oportunidade rara de analisar as duas trajetórias. E, no conforto de agora, surpreendentemente, De Niro sai ganhando.
"Ilha do medo" demonstra como Scorsese se tornou um cineasta frio, cerebral, que privilegia a razão em detrimento da emoção. Filma com perfeição, é verdade. Talvez não exista em Hollywood cineasta melhor que ele. Mas a serviço do quê? "Ilha do medo" tem um dos planos mais sensacionais dos últimos tempos: uma panorâmica que mostra, na memória do investigador Teddy Daniels (o personagem de DiCaprio), o massacre de oficiais nazistas encontrados em Dachau, no fim da Segunda Guerra Mundial. É para se admirar, mas não para se emocionar. "Ilha do medo' começa cheio de possibilidades e, lá pelo meio da projeção, não consegue escapar do tédio. Um tédio realizado com perfeição, mas sempre tédio.
No outro lado, "Estão todos bem" exibe o melhor de Robert De Niro dos últimos anos. É um melodrama assumido. Na pele do aposentado e recém-viúvo Frank Goode, De Niro faz uma viagem pelos Estados Unidos para reencontrar os quatro filhos, já crescidos, que ele conhece pouco. Será uma jornada de arrependimento e emoção. O ator jogou fora todos os truques de trabalhos recentes. Com uma interpretação minimalista, faz o espectador conhecê-lo em poucos minutos. Dá até pra chorar um pouquinho.
Fico imaginando o que seria um reencontro do Martin Scorsese de "Ilha do medo" e Robert De Niro de "Estão todos bem". O banho de razão que um daria no outro aliado ao banho de sensibilidade que o outro daria no um tornariam a dupla imbatível mais uma vez. Mas os muitos planos do cineasta e do ator - o site IMDB lista 12 novos projetos de De Niro e meia dúzia de Scorsese - não preveem nada em conjunto. O cinema lamenta.
Fonte: O Globo - 24/03/2010
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