sexta-feira, 26 de março de 2010

Interação (Por Luis Fernando Verissimo)


Você eu não sei, mas um dos meus terrores é o teatro interativo. A possibilidade de acabar no palco, ou de alguém do palco acabar no meu colo. Sei que a interação com o público é uma antiga tradição teatral. No teatro grego, não era raro alguém da plateia avisar ao Édipo que aquela era a sua mãe, forçando o ator a se fingir de surdo para não estragar a trama. No teatro elisabetano, a plateia assistia às apresentações de pé, comendo e bebendo e interferindo na peça com palpites ou empadões bem mirados. Contam que alguns vilões de Shakespeare chegavam a interromper suas falas para responder aos insultos mais pesados do público, embora não haja registro de que algum tenha usado sua espada para silenciar alguém.

Em todos esses casos, a iniciativa era da plateia. Foi com o music hall que a participação do público começou a ser incentivada do palco. Mas a não ser por uma eventual corista querendo tirá-lo para dançar ou alguma piada dirigida à pesca, os espectadores da primeira fila não tinham muito o que temer.

Certamente nada parecido com o que viria com o teatro moderno, quando as primeiras filas se transformaram em áreas de exposição ao vexame - quando não à matéria orgânica. Quando, por assim dizer, o palco contra-atacou.

Ir ao teatro virou uma tortura e as primeiras filas um tormento. Você nunca sabe o que espirrará em você, ou se a mulher nua que sentará no seu colo não começará a morder sua orelha, ou não será um homem. Ou se você não será arrastado para o palco, despido e lambido por todo o elenco.

Dei para pedir lugar nas últimas filas do teatro, longe das ameaças. E se me avisam que terei a visão do palco obstruída, digo "melhor!". Não ver o palco significa que não me verão do palco.

Verissimo, Luis Fernando. Banquete com os deuses. Rio de Janeiro. Objetiva, 2003.

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